quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pessoas e conceitos mudam: Xuxa, pedofilia e a internet





A 1ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, no Rio, soltou decisão liminar que obriga o Google a retirar de seus resultados de busca todas as referências e que liguem o nome da apresentadora Xuxa Meneghel ao adjetivo “pedófilo”.

A notícia é assim curta. Quando saiu nos jornais, uns parágrafos tantos seguiam ao lide acima salpicando detalhes que não mudam o essencial de uma afirmação tão simples.

O Google respondeu o óbvio: só indexa. Não tem o poder de alterar o conteúdo do que está na web. Censurar o índice dificulta encontrar mas não resolve o problema.

Se a história é simples de explicar num único parágrafo, o problema é complexo que só. Serve de metáfora para muitas de nossas dificuldades digitais.

Xuxa não é pedófila. Interpretou, no entanto, no filme Amor Estranho Amor, de 1982, uma personagem que a um momento seduz um rapaz duns 12, 13 anos. Hoje, chamamos isso de pedofilia. É que a cultura mudou.

Mas a história no filme de Walter Hugo Khouri é uma típica história brasileira. Foi contada com discreta singeleza no romance Amar, Verbo Intransitivo, de Mário de Andrade. Recontada em revistinhas um tanto rudes dos anos 50. Houve o tempo em que a iniciação sexual dos homens vinha cedo, mesmo, e com uma certa aparência de aula com prostitutas.

Não é mais assim, mas foi e, naquele tempo, não era feio.

A cultura mudou, Xuxa também. A jovem atriz do filme era uma entre tantas moças bonitinhas naquela virada dos anos 1970 para os 80 querendo se fazer famosa. Daquela carreira de modelo e atriz, Xuxa virou uma apresentadora desajeitada e de shorts curtos num programa infantil. A Xuxa atual é uma terceira versão. Mais conservadora, mais centrada, preocupada com crianças bem pequenas, empresária de sucesso.

Pessoas se reinventam, somos todos assim. O que fizemos no passado não necessariamente é representativo do que somos hoje.

Mas a internet registra e não perdoa. Num tempo anterior à rede, uma Xuxa rica poderia conseguir impedir a transferência do filme de VHS para DVD. Ele, aos poucos, teria desaparecido. Só que apagar o passado não é mais possível. Nem para ela, nem para nós.

É provavelmente injusto descrever com o adjetivo pedófilo o que se passa na tela. Era um outro Brasil, uma outra cultura. Para melhor ou pior, somos outros. Mas há quem, por picardia ou opinião, descreva a cena como pedófila.

Censurar o Google é censurar o índice. Mas o índice só mostra a rede como ela é. Falseá-lo é disfarçar a realidade. Se todos os que se considerarem de alguma forma injustiçados puderem alterar o índice da maior biblioteca do mundo, que nova cultura estaremos criando?

É evidente que o desconforto de Xuxa é sincero. O desconforto de muitos com seu passado é sincero. E, quando a caracterização desse passado é distorcida, a dor fica maior.

A cultura muda. A internet exige de todos nós outra mudança. No passado, todos temos nossos pecadilhos. Se esperamos tolerância, carece tolerarmos os dos outros. Num mundo de tolerância digital, Xuxa não precisaria pedir censura. E a rede permanecerá livre.

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